Talvez não haja período mais inquietante que o do ano em que se aniversaria pela trigésima vez. Relativamente estabilizado, casado (pela segunda vez, talvez pela última, quer por morte, quer por divórcio, mas queira Deus que pela última vez), religiosidade diariamente alimentada(embora não possa ser referência de conduta cristã), detentor de uma vaga de emprego(talvez nele se aposente), proprietário de um imóvel(talvez um dia o quite, talvez um dia o reforme), proprietário de um veículo (talvez um dia o quite, talvez um dia o troque) e dono de um relativo bom estado de saúde(ameaçado por alguns maus hábitos alimentares, pelas más condutas sentimentais, pela reiteradas tentativas de aumento na capacidade digestiva do precioso etílico, pelo voluntário estado de sedentarismo e principalmente pelo não exercício do perdão, próprio e alheio).
Tudo aflora e tudo emudece. Assim se vive. Toda essa duvida, toda essa incerteza, toda essa vontade não direcionada, toda essa eclosão repentina de medo, toda essa perda de iniciativa, toda a aprisionadora zona de conforto, toda essa inconstância do viver... Alguém avise ao motorista que eu quero descer desse veículo que não sei aonde vai e se vai chegar.
Há quem diagnostique "falta de Deus", há quem detecte um "quadro depressivo", há quem rotule de "desculpa pra beber", há quem diga ser "falta de sexo", há quem ordene "tu precisa meter mais", há aqueles que atentos ao "crescei e mutiplicai" sugestionam "rapaz tu precisa ter um filho", há quem menospreze sob a alegação de que "deixa tu ter um filho, aí tu vai ver o que é responsabilidade", há quem tente ironicamente me fazer crer que tudo melhorará argumentando que "depois piora", há quem simplesmente consiga anestesiar tudo isso com algum sopro de nostalgia do tipo "tu lembra quando a gente matava aula pra ficar tomando vinho e jogando totó?", há ainda inúmeros outros a adjetivar pejorativamente de "safadeza, frescura, boiolisse, boiolagem, viadagem, tabaquice, baitolagem, papo de bichinha e conversa de mulherzinha".
O indubitável mesmo é a necessidade de todos de te colocar ainda mais para baixo, sempre sob a ótica de o teu problema ser infinitamente menor ou ridiculamente menos importante. Aliás, não tem coisa mais simples de resolver do que a vida alheia. A vida alheia sempre é de maior facilidade e convergência astral que a nossa que por vezes parece estar sendo vigiada por algum anjo/santo em fim de carreira, já sem saco para esses "mimimis" humanos.
As desilusões avolumam-se diariamente, o descontentamento com a nossa limitada capacidade de ação (na prática, apenas a cada eleição), e a sensação de impotência fazem da insensibilidade desejo diário. Ler os jornais torna-se mais moralmente ofensivo que as já tão criticadas telenovelas. Cogitei recentemente se tudo isso não seria consequência de um possível aguçamento da inata capacidade humana(afinal eu sou humano) de se indignar. Não, não deve ser. Por ora é bom até abandonar esse raciocínio. Afinal, mantê-lo resultaria na conclusão da inércia como comportamento predominante e na tentativa de ação como desvio marginal. E mais uma vez, eu, marginal, marginalizado. Diletante e desprezado. Bolas... Por último a dúvida: será essa aflição apenas resultado da ausência da medicação que abandonei? Não sei. Sei que de cara limpa a barra é mais pesada. De cara limpa e foda bro...