terça-feira, 26 de abril de 2016

Divã

Talvez não haja período mais inquietante que o do ano em que se aniversaria pela trigésima vez. Relativamente estabilizado, casado (pela segunda vez, talvez pela última, quer por morte, quer por divórcio, mas queira Deus que pela última vez), religiosidade diariamente alimentada(embora não possa ser referência de conduta cristã), detentor de uma vaga de emprego(talvez nele se aposente), proprietário de um imóvel(talvez um dia o quite, talvez um dia o reforme), proprietário de um veículo (talvez um dia o quite, talvez um dia o troque) e dono de um relativo bom estado de saúde(ameaçado por alguns maus hábitos alimentares, pelas más condutas sentimentais, pela reiteradas tentativas de aumento na capacidade digestiva do precioso etílico, pelo voluntário estado de sedentarismo e principalmente pelo não exercício do perdão, próprio e alheio).

Tudo aflora e tudo emudece. Assim se vive. Toda essa duvida, toda essa incerteza, toda essa vontade não direcionada, toda essa eclosão repentina de medo, toda essa perda de iniciativa, toda a aprisionadora zona de conforto, toda essa inconstância do viver... Alguém avise ao motorista que eu quero descer desse veículo que não sei aonde vai e se vai chegar.

Há quem diagnostique "falta de Deus", há quem detecte um "quadro depressivo", há quem rotule de "desculpa pra beber", há quem diga ser "falta de sexo", há quem ordene "tu precisa meter mais", há aqueles que atentos ao "crescei e mutiplicai"  sugestionam "rapaz tu precisa ter um filho", há quem menospreze sob a alegação de que "deixa tu ter um filho, aí tu vai ver o que é responsabilidade", há quem tente ironicamente me fazer crer que tudo melhorará argumentando que "depois piora", há quem simplesmente consiga anestesiar tudo isso com algum sopro de nostalgia do tipo "tu lembra quando a gente matava aula pra ficar tomando vinho e jogando totó?", há ainda inúmeros outros a adjetivar pejorativamente de "safadeza, frescura, boiolisse, boiolagem, viadagem, tabaquice, baitolagem, papo de bichinha e conversa de mulherzinha".

O indubitável mesmo é a necessidade de todos de te colocar ainda mais para baixo, sempre sob a ótica de o teu problema ser infinitamente menor ou ridiculamente menos importante. Aliás, não tem coisa mais simples de resolver do que a vida alheia. A vida alheia sempre é de maior facilidade e convergência astral que a nossa que por vezes parece estar sendo vigiada por algum anjo/santo em fim de carreira, já sem saco para esses "mimimis" humanos.

As desilusões avolumam-se diariamente, o descontentamento com a nossa limitada capacidade de ação (na prática, apenas a cada eleição), e a sensação de impotência fazem da insensibilidade desejo diário. Ler os jornais torna-se mais moralmente ofensivo que as já tão criticadas telenovelas. Cogitei recentemente se tudo isso não seria consequência de um possível aguçamento da inata capacidade humana(afinal eu sou humano) de se indignar. Não, não deve ser. Por ora é bom até abandonar esse raciocínio. Afinal, mantê-lo resultaria na conclusão da inércia como comportamento predominante e na tentativa de ação como desvio marginal. E mais uma vez, eu,  marginal, marginalizado. Diletante e desprezado. Bolas... Por último a dúvida: será essa aflição apenas resultado da ausência da medicação que abandonei? Não sei. Sei que de cara limpa a barra é mais pesada. De cara limpa e foda bro...

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Afago

De peles, plumas ou patas?
Qual o estereótipo do seu desejo?
Já lhe disse para não ser tão exigente assim.
O mundo permanece oblíquo ao olhos que buscam fim.
Eu sereno seus desejos no intuito de lhe proteger.
Mas nada lhe satisfaz Camila.
Nada lhe sacia.
Tudo perde a graça antes mesmo de ser plenamente vivido.
O que você quer de mim Camila?
Prêmios sem mérito?
Abonos verbais aos seus silêncios?
As contas continuam a chegar e não há quem receba tristeza como forma de pagamento.
Não pense em alternativas fáceis (ou menos cansativas), o prazer que ofereces será aceito enquanto for raro ou submisso. Logo mais se desvalorizará e verás diminuir teu poder de barganha.
Qualquer comercial lhe prostra ao solo e aflora em ti o inconformismo quanto a tudo que te rodeia.
O prazer está apenas no novo?
A alegria está nas embalagens?
A aceitação correlaciona-se ao acúmulo patrimonial?
Esse status que buscas não foi arremessado dos céus ao colo daqueles que o possuem, forjou-se com suor e sacrifícios. Enquanto isso você virava a noite em devaneios e volúpias, levantando-se no dia seguinte tão somente quando a fome ou a sede intensificavam-se a ponto tirar-lhe o sono.
E não me venha com essas história de comprar miçangas e personalizar suas havaianas.
Havaiana é havaiana, é tudo igual, prenda no dedo do pé e pronto, objetivo cumprido!
Ando cansado de suas reclamações infantis, dessas chorumelas sem fim.
Tua fome de supérfluos não vai ser saciada por mim.
O que busca afinal?
Descobriu ao menos o que te alegra quando o dia chega ao fim?
Em tua cama à noite, quem zela pelo teu sono?
Achas que é o som de chuva produzido pelo aplicativo de teu celular?
Seja Camila.
Seja.
Boa noite.

domingo, 3 de abril de 2016

Pusilânime

Talvez nada seja da forma como vejo. Quem sabe minhas lentes precisem ser trocadas, quem sabe apenas possibilitem turvas imagens, imprecisas visões, melancólicas percepções visuais.

Nada parece se apresentar de modo positivo. Quem sabe só precise entregar nas mãos de Deus, quem sabe Suas mãos já estejam tão cheias das agruras humanas quem a minha apenas receba uma etiqueta de baixa prioridade e fique por aí tomando um soro "glicosado" numa maca qualquer.

Hoje cansei de olhar para frente e buscar fitar as luzes do caminho. E se forem faróis? E se eu estiver em rota de colisão?
E se eu estiver andando na contramão?
Esse peito não quer sossegar, essas dores não querem passar, essa cabeça não para de pensar.

Era preciso três de mim para suportar as dores que carrego comigo. Talvez quatro de mim pudessem responder minhas dúvidas. Dois de mim travariam as lutas que necessito pelejar. Nada feito, sou apenas um.

Apenas um homem com medo. Escondendo a vontade de chorar e a de ir embora. De abandonar tudo para ir viver um amor qualquer tendo o mar por companhia.

Hoje os dias seguem nebulosos. O toque do telefone assombra, o temor de más notícias apavora. O vazio no peito permanece. Onde está o amor que deveria sentir? Onde está o respeito que deveria existir? Onde está? Onde estou? Onde estás?