Ela desejava ser despida, não por necessitar ou por volúpia, mas por sentir-se digna disso, não da mesma forma que todas as outras mulheres já desnudadas por ele, mas erigindo-se peculiarmente de um passado nostálgico que nas brincadeiras da vida desaguou no presente.
Esperava poder acompanhar o passeio dos olhos dele por suas curvas sugestivas, quem sabe decifrar o esboço facial repentino que ele certamente faria, ver sua surpresa ser substituída pela torrente caudalosa do desejo denunciada pela ereção que a esta altura não mais poderia ser disfarçada em sua bermuda.
Descobrir todo primitivismo sensorial que as mãos simiescas dele poderiam delatar por sua dificuldade em abrir o sutiã. Esperar o desabar de tal peça que impelida pela gravidade lançaria-se ao solo, sentir a temperatura das palmas de suas mãos que se fartariam em seus seios, precedendo os lábios grossos e sedentos que lhe sugariam e antecipariam a língua em movimentos circulares sobre as aréolas de seus mamilos.
Puxaria a boca dele ao encontro da sua com um gesto brusco valendo-se para isso dos cabelos desgrenhados que lhe ornamentam a cabeça. Saberia exatamente a velocidade, intensidade e compressão com que se deleitaria nos lábios dele, deixaria que demonstrasse todo seu potencial, receberia com humildade os exibicionismos labiais daquele lacaio de seu prazer, quando o ciclo se fechasse e reiniciassem os movimentos de sua boca é que então protagonizaria o que de melhor ele poderia vir a sentir na vida. Já idealizava desprenderem-se momentaneamente as bocas(deixaria claro que o show dele acabara), pressionariam-se as testas propiciando a abertura momentânea dos olhos, sorriria matreira e com um leve floreio no ar iniciaria o espetáculo.
Tinha em sua mente a idealização dos primeiros momentos daquele que seria o mais belo registro de sua memória. Alimentava por meses o platônico desejo contemplando-o da arquibancada de seus sonhos. Sorria-se intimamente ao menor sinal de percepção de sua existência por ele. Quando desvanecia, quando se julgava inexistente na vida do ser ao qual fora prometida, retroalimentava-se argumentando consigo que falta não faz o que nunca se teve.
Falácia! Era a prova viva da insustentabilidade de tal argumento. Bobagem, não há de exigir racionalidade ao ser que ama. Queria acordar-se um dia imbuída de coragem, banhar-se com cuidado e zelo para preparar com aromas o próprio corpo, adrede trabalhado para servi-lo, onde imaginava poder vê-lo saciado. Maquiar-se com uma diva, vestir-se gloriosamente e sair às ruas atraindo para si todos os olhares. Quando por fim o encontrasse, saberia despertar-lhe a iniciativa, colocar-se-ia em situação de vulnerabilidade, como uma presa que deseja ser atacada, mas não por qualquer predador, não por qualquer fera, trazia na pele o molde das presas que desejava. Aqui o degas não aceitaria um impostor.
Tudo isso lhe aflorava a mente no penoso percurso ao trabalho. Alheava-se ao vê-lo, sempre tão enigmático, silencioso, reservado. Como um castelo resguardado pelas muralhas de seu silêncio. Observava-o incansavelmente, à espreita de uma fenda, uma brecha, uma falha na couraça de autismo encimada pelos fones de ouvido que ele usava não lhe permitindo sequer adentrar o universo musical que lhe apetecia. Findo o trajeto, aproximava-se da porta traseira para o desembarque, não sem antes arrematar sua viagem com a última investida de olhares ao feérico ser que ainda não acordara de seu encantamento, então suspirava: um dia ele vai me ver...
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